excertos da quarentena II

Tamyres Matos
1 min readJul 5, 2021

não acabou. relativizou-se, mas prossegue. aquele ruído fino, metálico e ininterrupto. tão dolorido e incômodo, quanto inevítável. descaminhos internos revolveram-se em fúria. muita coisa mudou. a vida prossegue, mesmo em suspenso. uma existência em teste se desenha, se desvela. a humanidade, que não se entende natureza, precisa redescobrir a sua própria. em seu pequeno — imenso — e egoísta caos. e tudo vira privilégio. haja dor, haja desespero… esses são distribuídos de graça. planejar? privilégio. proteger-se? privilégio. debater? privilégio. trabalhar? privilégio. exercitar a subjetividade? privilégio premium. vestir? privilégio. comer? privilégio. viver? privilégio.

o que antes era retórica de gratidão tornou-se prisão diária. tornamo-nos artífices de um experimento sádico em que precisamos agradecer por ser autômato. a política da morte invadiu, assaltou, esquartejou nossa subjetividade. mas estamos vivos (estamos?). então: obrigada pelo escarro, há quem desapareça por não recebê-lo. e temos medo de desaparecer.

--

--

Tamyres Matos

Escrevo o que sinto. Sem estratégia, só organicidade. Sempre vestida de profundidade e intensidade. Tem gente que acha que é exagero. E tudo bem.