Gratidão é o cacete

Tamyres Matos
2 min readDec 27, 2020

“Obrigado pela dor, hoje sou mais forte”. De todos os discursos de autoajuda do estilo “deixa eu mostrar pra fulaninho(a) que tô ótima”, acho esse um dos mais nocivos e toscos. Obrigada é o cacete. Entendo que todos estamos sujeitos a erros e tudo na vida representa aprendizado. Mas vamos parar com esse papo de que somos gratos porque alguém foi um completo babaca com a gente. Se eu já fui uma escrota na vida de alguém, eu só espero que essa pessoa me perdoe. E que saiba que, se causei dor, não foi, definitivamente, de propósito.

Muita gente já me causou dores indescritíveis. Algumas dessas pessoas o fizeram propositalmente (inclusive gente que eu acolhi dentro da minha casa e da minha vida, de peito aberto). E eu jamais agradeceria por isso. Se eu consegui transformar isso em algo bom, eu agradeço aos amigos que ajudaram a secar minhas lágrimas. Agradeço a todas as pessoas que me mostraram que amar alguém não tem nada a ver com machucar, magoar, abandonar. Agradeço a quem respeita meu silêncio que só se revela através de lágrimas quentes e textos melancólicos.

Eu sei que sentir e vivenciar amor não é simples. Eu falo muito de amor, de como acredito que ele é a única coisa que dá sentido a nossa existência. Mas já sofri (e muito) por causa dele, especialmente daquele de conotação romântica. Sou colecionadora de corações partidos. No fim das contas, sofremos porque ficamos vulneráveis. Como diz o cantor e compositor britânico James Morrison, “o amor dá a alguém o poder de te machucar de novo e de novo”. É verdade. Abrir-se é expor suas inseguranças. Essa dor que vamos acumulando com o tempo pode traumatizar. Pode deixar a gente no piloto automático. Ainda mais numa sociedade que consegue transformar até o sentimento mais bonito em meta de marketing. Que tem “deadline”, “target”, “brainstorm” e até “budget”.

Eu sei que dói. Eu sei que aprendi com a dor. Mas, assim, obrigada é o cacete. Eu espero que cada uma das pessoas que me causou dor tenha aprendido com isso. Que não seja um sanguessuga emocional tão fraco a ponto de se pendurar por anos a fio na irresponsabilidade afetiva. Que não seja um egóico que se alimenta da dor que causa para ver sentido na sua existência ínfima. Espero que, assim como eu aprendi, essas pessoas também tenham aprendido. Mas nunca, jamais, devemos romantizar alguém que causa mágoa e dor. Gente escrota tem que parar de ser escrota, não receber agradecimentos por isso.

Amar não é viver um conto de fadas, mas é a coisa mais incrível que experienciamos na brevidade da vida. Valorizemos quem nos faz o bem, esses sim dignos de gratidão e respeito. Responsabilidade afetiva não é um discurso de frame do Instagram, é uma construção diária.

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Tamyres Matos

Escrevo o que sinto. Sem estratégia, só organicidade. Sempre vestida de profundidade e intensidade. Tem gente que acha que é exagero. E tudo bem.